O trabalho infantil é, infelizmente, uma realidade no Brasil – mais comum do que muitos pensam, inclusive. E tende a ser ainda mais frequente dentre trabalhadores rurais.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) finalmente tomou uma decisão sobre essa questão, permitindo que o trabalho rural exercido por crianças e adolescentes entrem na conta para fins de aposentadoria.
Neste artigo explicaremos a você todas as implicações dessa decisão.
Conteúdo
Entendendo o que é Trabalho Rural
Como o próprio nome já indica, trabalho rural é a atividade econômica que a pessoa exerce na zona rural, sendo trabalhos em lavouras, em plantios e com agropecuária as atividades mais comuns (mas não apenas essas!).
O trabalhador do campo pode ser enquadrado em uma dessas categorias:
- Empregado rural com registro na CLT
- Segurado na condição de contribuinte individual
- Segurado na condição de contribuinte avulso
- Segurado especial
O empregado rural com registro na CLT é o trabalhador menos comum no âmbito do trabalho rural, uma vez que em muitas ocasiões não há empregadores rurais dispostos a registrar os indivíduos na CLT.
O segurado contribuinte individual, por sua vez, presta serviços eventuais a um (ou mais) empregador rural, porém sem vínculo empregatício. Nessa categoria, estão os chamados boias-frias, por exemplo.
Por segurado contribuinte avulso, compreende-se a pessoa que trabalha de modo eventual a diferentes empregadores rurais, também sem vínculo empregatício.
Bem parecido com o segurado contribuinte individual, não? O que difere essas duas categorias é o fato de que o segurado contribuinte avulso obrigatoriamente conta com intermediação ou do sindicato da categoria ou de órgão gestor de mão-de-obra.
O contribuinte individual e o segurado especial compõem a maior parte dos trabalhadores rurais, especialmente quando consideramos os boias-frias.
Trabalhadores Rurais na condição de Segurados Especiais
Precisamos falar especificamente sobre os segurados especiais, pois foi a eles que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu o direito de reconhecer tempo de trabalho infantil.
a) Quem são?
As pessoas que trabalham em atividade rural no campo ou individualmente ou em regime da chamada economia familiar são considerados segurados especiais.
Economia familiar, vale explicar, é quando os membros da família trabalham conjuntamente e sem que haja relação de emprego. Assim, o sustento dos segurados especiais vem das próprias atividades rurais que exercem.
Se toda uma família tem uma propriedade rural, cultiva a terra e dela tira seu sustento, eis um exemplo de economia doméstica; todos os membros trabalham em conjunto, sem vínculo empregatício, e tiram dessa atividade o sustento de todos.
De forma mais abrangente, são considerados segurados especiais:
- Produtores rurais (como no exemplo que demos anteriormente).
- Membros do grupo familiar do segurado especial, se trabalharem com ele. Estamos falando de cônjuges, companheiros e filhos a partir dos 16 anos.
- Pescadores artesanais.
- Indígenas.
- Seringueiros e extrativistas vegetais.
b) Como é a contribuição do segurado especial à Previdência Social (INSS)?
Eles não contribuem da mesma maneira que os demais trabalhadores.
Veja: os empregados formais (trabalhadores com carteira assinada), por exemplo, contribuem automaticamente com o INSS, direto da folha de pagamento. Os trabalhadores avulsos, por sua vez, precisam pagar uma alíquota de 11% ao mês pela Guia da Previdência Social (GPS).
Já o segurado especial, ele deve comprovar a realização da atividade de segurado especial (as atividades que já citamos, como seringueiro, produtor rural etc.). Contudo, isso depende do tempo rural que a pessoa quer reconhecer no INSS.
As atividades exercidas até a data de 31/10/1991 são consideradas como contribuição ainda que não tenha havido qualquer tipo de recolhimento à Previdência Social, mas o segurado precisa comprovar ter de fato exercido essas atividades.
Para atividades exercidas a partir de 01/11/1991, o segurado especial precisa contribuir com 1,3% da receita bruta da comercialização de sua produção rural, porcentagem esta destinada à Previdência Social.
Em ambos os casos, percebemos que não há uma contribuição direta à Previdência Social (caso idêntico ao dos segurados facultativos), o que de fato é uma decisão bastante acertada. Afinal, a grande maioria desses trabalhadores já lidam com muitas dificuldades no cotidiano.
Existe, ainda, a questão da documentação. A maioria dos segurados especiais não dispõem de muitos documentos relacionados às atividades que exercem e sequer têm vínculo de emprego.
Diante desse fato, o segurado especial deve elaborar uma autodeclaração que comprove as atividades exercidas na condição de segurado especial, tanto para aquelas exercidas antes de 31/10/1991 quanto para as que foram exercidas depois.
O que dispõe a lei sobre o trabalho infantil?
No início do nosso artigo afirmamos que o trabalho infantil é uma realidade no nosso país e que não podemos ignorar que isso existe.
Não podemos fingir que não há inúmeras crianças por aí trabalhando desde muito novas ao invés de estarem em cadeiras escolares.
A nossa Constituição Federal de 1988 trouxe direitos fundamentais à dignidade dos cidadãos; e as crianças e os adolescentes também estão na Constituição.
Segundo o documento, Estado, família e sociedade têm o dever de garantir à criança e ao adolescente o direito à: vida, saúde, lazer, alimentação, educação, cultura, profissionalização, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária.
Além desses pontos, a Constituição Federal também estipula o dever de colocar crianças e jovens a salvo de toda forma de discriminação, violência, opressão, exploração e negligência.
Especificamente sobre o trabalho infantil, a Constituição proíbe que jovens com menos de 16 anos trabalhem, com exceção da condição de jovem aprendiz, mas ainda assim, somente a partir dos 14 anos.
Nem precisamos dizer que na prática, o que vemos é bem diferente do que a Constituição Federal determina, principalmente quando voltamos nossos olhares aos trabalhadores rurais.
Quando nos damos conta de que muitas (para não dizer a maioria) das atividades rurais são realizadas longe dos espaços urbanos e de fiscalização, em áreas onde o regime de economia familiar é essencial para a subsistência da família, fazendo com que os filhos desde muito cedo tenham que ajudar seus pais em diversas (e pesadas) atividades, faça chuva ou faça sol. Estamos falando de lavoura, aragem de terra, plantação e muitas outras atividades.
Como o INSS enxerga o Trabalho Rural Infantil?
O INSS, ciente dessas condições difíceis e recorrentes no âmbito dos trabalhadores rurais, reconhece, conforme a Constituição Federal dispõe, tempo rural exercido a partir dos 14 anos de idade.
Entretanto, na justiça comumente já se considera como tempo rural as atividades exercidas a partir dos 12 anos de idade, uma vez que não é possível ignorar que desde bem novas as crianças são obrigadas a trabalhar ao invés de usufruírem do direito à educação, por exemplo.
Diante disso, a pessoa deve ponderar sobre ser ou não viável, para o seu caso, ingressar com ação judicial para ter direito ao reconhecimento do trabalho rural exercido desde os 12 anos de idade na condição de segurado especial.
Vamos às boas novas: o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tratou de pacificar o que se entende por trabalho rural infantil, diminuindo a idade a considerar para fins de aposentadoria para esse tipo de trabalho. É o que veremos a seguir.
Novas regras: decisão do STJ
Com o intuito de fazer com que as regras deem mais conta da realidade brasileira, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que o tempo de trabalho infantil deve contar para fins de aposentadoria.
Ainda que a Constituição Federal proíba o trabalho infantil, o que vemos na prática é bem diferente, principalmente entre os trabalhadores rurais. Evidentemente, a decisão da justiça e o fato de ela ser celebrada não significa, de modo algum, enaltecer o trabalho infantil.
O trabalho infantil usurpa da criança e do jovem a chance à escola e ao lazer, por exemplo. Isso é sério e triste. Mas uma vez que essa é a realidade do país, é muito positivo que o STJ tenha decidido considerar esse tempo.
Se essas pessoas já exerceram essas atividades, e nas difíceis condições que conhecemos, nada mais justo do que contar esse tempo.
O STJ julgou um caso de um segurado que apesar de ter começado a trabalhar aos 12 anos de idade, só teve tempo de trabalho contado a partir dos 14, a idade reconhecida pelo INSS.
Entendendo não haver lei que estabeleça idade mínima para conta de tempo para aposentadoria de período rural dos segurados, a decisão foi favorável ao segurado. Assim, é possível que o trabalho rural exercido antes dos 12 anos seja contado para tempo de aposentadoria.
Para comprovar esse período de trabalho rural, o segurado deve apresentar testemunhas ou documentos capazes de atestar que ele de fato realizou tais atividades.
Bom, mas temos um ponto negativo nessa história. Para que haja esse reconhecimento, é preciso entrar com ação judicial, pois as chances de o INSS reconhecer atividades de trabalho antes dos 14 anos (embora a justiça já reconheça a partir dos 12) é bem remota.
Tendo esse aspecto negativo em vista, novamente sugerimos: pondere com atenção e conclua se é ou não viável para você entrar com ação judicial.
Vídeos complementares
Entendemos a complexidade desse assunto, principalmente considerando que o segurado deverá avaliar com bastante atenção até que ponto entrar com uma ação judicial é benéfica para si. Assim, indicamos alguns vídeos para te ajudar a entender melhor o conteúdo do nosso artigo.
STJ decide – Trabalho infantil rural como tempo para aposentadoria
Contagem de tempo de trabalho infantil para efeito previdenciário não deve ter idade mínima
Resumo
Agora que você já sabe tudo sobre essa importante e tão necessária decisão do Supremo Tribunal de Justiça, esperamos que possa refletir com a devida atenção se pedir a conta desses anos de trabalho infantil em atividade rural é uma boa opção para você.
Ainda que não seja esse o seu caso, vale a pena divulgar este material para que mais pessoas tenham a consciência do que foi decidido e possam ver de que forma essa decisão impacta ou não nos seus casos.
Continue acompanhando nossos artigos. Seguiremos por aqui, com a informação e com o conteúdo que você merece e precisa. Até breve!
Nota 1: Nosso site (consultameuinss.com.br) tem caráter meramente informativo e não possui qualquer vínculo com o INSS. Portanto, para receber as informações oficiais, registrar reclamações ou tirar dúvidas aconselhamos a ligação para o telefone do INSS: 135.
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Rafael Guedes nasceu no Rio de Janeiro, se formou em Ciências Atuarias na UERJ e está finalizando também o curso de Ciências Contábeis. Trabalhou em diversas empresas de consultoria e decidiu criar este espaço para ajudar milhões de brasileiros a conhecerem melhor os diversos benefícios oferecidos pelo INSS.
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